terça-feira, 22 de agosto de 2017

DEPOIMENTO SEM DANO: PROTEÇÃO, RESPEITO OU VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS DO SUJEITO CRIANÇA E ADOLESCENTE?
                                                                       MARIA DIANAIR ACOSTA GONÇALVES - CURRÍCULO


I – A CONSULTA

a)      Consulta-me a Associação dos Assistentes sociais e psicólogos do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre a experiência de advogada, da criança e do adolescente, vítimas de abuso sexual em audiência no procedimento judicial – DEPOIMENTO SEM DANO – na comarca de Porto Alegre, RS.
b)      Formula questões para arredar dúvidas a respeito da real proteção aos direitos humanos da criança e adolescente, quanto a mediação na inquirição/interrogatório em tal procedimento: 1) qual o tempo de duração da audiência 2) As perguntas feitas pelo Juiz e partes foram repassadas integralmente à criança? 3) A criança estava em condições de responder as perguntas? 4) O profissional da saúde (psicólogo ou assistente social) mostrou-se incomodado em algum momento? 5) O profissional da saúde questionou, em algum momento, as perguntas realizadas pelo Juiz ou pelas partes? 6) O juiz e partes fizeram perguntas repetitivas sobre o acontecimento traumático? 7) O juiz obrigou o profissional da saúde a realizar todas as perguntas, ou houve discussão acerca da pertinência das mesmas?

PARECER
             
II.                  Desde logo, tenha-se presente que, para relatar a experiência da advogada, parecerista, signatária, da criança e adolescente, vítima de violência sexual, quando da inquirição/interrogatório no procedimento DSD, judicial, em Porto Alegre e  responder com clareza, ética profissional e verdade real as questões dos consulentes, e eventuais leitores do presente documento é necessário fazer considerações teóricas sobre a legislação nacional, internacional e a aplicação dos princípios, normas e valores da Constituição Federal imbricados com a Lei nº 8.069/90, tecendo comentários, dos antecedentes históricos, interesses pessoais e judiciais que alicerçaram o projeto DEPOIMENTO SEM DANO, judicial, no Rio Grande do Sul.

III.                A DISCRICIONARIEDADE DOS JUÍZES NA ACEITAÇÃO E VALORAÇÃO DAS PROVAS NO SISTEMA PENAL.

Historicamente, os juízes criminais do Rio Grande do Sul, não consideram prova processual os laudos da saúde psíquica, produzidos pelos profissionais psicólogos ou psiquiatras, quando os avaliados forem vítimas de violência sexual. Embora tais documentos contenham a palavra da vítima colhida na forma de escuta/oitiva, legalmente prevista no microssistema de direito positivo disciplinado pela Lei Especial, Federal de nº 8.069/90 e na Convenção da ONU de 1989. O posicionamento de rejeição desses laudos advém da história da humanidade que via o “menor” como incapaz de todo gênero e tutelado. A história da incapacidade atribuída ao “menor” influenciou o sistema criminal que optou em beneficiar o criminoso com o princípio da inocência e garantia do contraditório, menosprezando a criança e o adolescente, pessoa em peculiar condição de desenvolvimento, sujeitos de direitos constitucionais, desde 1988, tendo-os, ainda hoje século XXI como - objeto da prova - na qual se apoiam os juízes para absolver ou condenar os autores de abuso sexual contra a criança e o adolescente. Até se compreende o sentimento de culpa que pode assolar o julgador em condenar um provável, “inocente”. Porém, crer que se a inquirição/interrogatório da vítima ou testemunha só o livrará de tal preocupação se for realizada sob suas vistas e nas dependências do foro da comarca, é entre outras posições desconhecer a ordem jurídica do Estado democrático de Direito que instituiu a interdisciplinaridade entre os diversos saberes na efetiva implantação da doutrina da proteção integral, em prioridade absoluta à criança e ao adolescente em nosso País.

IV – DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

Buscando minorar o sofrimento da criança e adolescente e consciente da Política de atendimento apontada no artigo 86 da Lei nº 8.069/90, o ECA: “A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estado, do Distrito Federal e dos Municípios”.  A juíza Osnilda Pisa, na época corregedora da infância do TJRS, convidou instituições  dos governos Federal, Estadual e Municipal, além de entes da sociedade civil, Universidades, Ministério Público, OAB/RS, Instituto dos Advogados do RS, Procuradoria do Estado do RS, AJURIS, Instituto Amigos de Lucas, Secretaria da Justiça e Segurança, Polícia Civil, Instituto Médico legal, Sociedade de Pediatria, Conselho Tutelar, Conselho Estadual e Municipal de Direito da Criança e do Adolescente, Secretaria da Saúde Municipal e Estadual, Conselho de psicologia, Conselho de assistentes sociais, Fundação RBS de rádio e jornalismo, entre outras, trazendo a lume o Centro de Referência de Atendimento à infância – CRAI. Esse serviço de acolhida, atendimento e encaminhamento abrigava, num mesmo local, um posto policial para registro da ocorrência, o serviço de saúde, contando com enfermeira, pediatra, médico legista, assistente social, psicóloga e advogado. Os profissionais do CRAI, receberam treinamento e participavam de formação continuada com o objetivo de acolher, ouvir, atender e tratar não só as vítimas, mas suas famílias, inclusive, o abusador. Para tanto entre as metodologias utilizadas foi montada uma sala especial com ambiente acolhedor e inspirador de confiança à criança e ao adolescente, gravação eletrônica da fala espontânea, material de desenho, jogos, quebra cabeça, teatro, dança, com a presença de psicóloga, ou psiquiatra.

     IV.I A CRIAÇÃO DO DEPOIMENTO SEM DANO EM PORTO ALEGRE

Também o juiz titular da 2ª vara da infância e juventude da comarca de Porto Alegre, Daltoé Cezar, não aceitava como prova processual os laudos produzidos no CRAI e criou o procedimento de “escuta judicial para realizar a oitiva da vítima ou testemunha” (grifamos) (2012, p. 385), denominado DSD e aproveitar a prova colhida para ao mesmo tempo processar e julgar os denunciados pela prática de crimes de maus tratos e abuso sexual contra criança. Verificou esta advogada que a escuta, proposta, foi descaracterizada, da forma acatada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, permanecendo no DSD a tradicional inquirição/interrogatório, disfarçada de proteção e respeito à criança e ao adolescente (Daltoé, 2012, p. 388).
Enfim o interesse pessoal desse juiz vinha ao encontro das práticas perpetuadas pelo Poder Judiciário, que, desde o Código Criminal do Império de 1853, continuado no Código de Menores de 1979, ambos revogados, exercia o papel de tutor da criança e adolescente pobre tida como incapaz. Obteve Daltoé, seu intento, quando o Conselho da Magistratura retirou a especialização outorgada às 6ª e 9ª varas criminais, obtida por solicitação da OAB em 2004, transferindo-a ao JIJ da comarca de Porto Alegre o processo e julgamento dos criminosos adultos que praticavam os crimes de abuso sexual contra criança e adolescente. Valeu-se então do projeto com o nome ingênuo e sedutor - Depoimento sem Dano - para buscar apoio e aceitação da sociedade desavisada, e dos profissionais do direito e afins alienados da farsa sedutora, continuou o uso da criança e adolescente como produtor da prova criminal, nos termos do Código de Processo Penal, artigos 201 e 202, onde o direito de falar, efetivação da oitiva espontânea, constante na justificativa do projeto firmou-se na obrigação de responder perguntas revitimizadoras.  
Nessas audiências a vítima não conta com a proteção e defesa técnico-jurídica de advogado próprio, embora a CF no seu artigo 133 diga "o advogado é indispensável a administração da justiça” e sua presença e participação seria uma forma de preservar a garantia do direito de sujeito ser ouvido conforme a Lei nº 8.069/90, um microssistema de direito público (2002, p.18) que em seu artigo 15, diz:
A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoa humana em processo de desenvolvimento e como sujeito de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis. E complementa o inciso II, do artigo 16, que esse sujeito tem o “direito de opinião e expressão”. Também o artigo 12 da Convenção Internacional da Criança de 1989, a qual o Brasil ratificou, repete o mesmo direito, constante na nossa legislação ao comprometer os Estados Membros assegurar a fala espontânea e condição de sujeitos de direito à Criança e ao Adolescente,
Proporcionando a oportunidade de ser ouvida em todo processo judicial ou administrativo que afete a mesma, quer diretamente quer por intermédio de um representante ou órgãos apropriado, em conformidade com as regras processuais e legislação nacional. (CONVENÇÃO da ONU, 1989). Grifamos.

Meridiano a harmonia existente entre a legislação brasileira e a legislação internacional, eis que, ambas reconhecem o direito da criança de falar espontaneamente, complementando ainda o artigo 12, da Convenção que a vítima poderá ser ouvida por órgãos apropriados. No Brasil, tais órgãos que executam essa atribuição de registrar em laudo técnico a oitiva/escuta da vítima são os profissionais do serviço da saúde mental do Poder judiciário, serviços especializados, tipo CRAI, e outros constituídos de acordo com a nossa legislação.
V.O DIREITO PERSONALÍSSIMO INSTRUMENTO DA AUTOPROTEÇÃO

Do direito personalíssimo dizem os civilistas e entre eles citamos Orlando Gomes (1965, p. 131) “entre os direitos de personalidade compreendem-se os direitos personalíssimos e os direitos sobre o próprio corpo. São direitos essenciais aos desenvolvimento da pessoa humana que a doutrina moderna preconiza a disciplina no corpo do CC como direitos absolutos, desprovidos, porém da faculdade de disposição, Destinam-se a resguardar a eminente dignidade da pessoa humana, preservando-a dos atentados que pode sofrer por parte dos outros indivíduos”.
A vítima de violência sexual, sofre prejuízo em seu próprio corpo, mas sobretudo na alma, ferindo de morte o seu direito personalíssimo. A inquirição/interrogatório ao qual é submetida no DSD, judicial, representa para ela uma vivência de repetida violência, agora pelas autoridades que constitucionalmente lhe devem a proteção, escrita no artigo 227 da CF e 4º da lei nº8.069/90.
Entretanto, sua participação no processo de acordo com a Lei nacional e internacional se efetivará quando ouvida, espontaneamente, em encontros com os técnicos profissionais da saúde mental. Sabe-se que esta oitiva/escuta gravada, embasará a prova processual na modalidade de documento, na forma de um laudo psicológico, com a credibilidade dos laudos que descrevem as lesões físicas. Nesse sentido se pronuncia a psicóloga e psiquiatra Maria Helena Ferreira (2012, p. 189), “é natural e óbvio que não se peça num tribunal a exibição física nem se toque na ferida para ver se realmente ela ocorreu. Elas são examinadas fora do tribunal com técnicos e técnicas especializadas, em ambiente adequado ao recolhimento do material, sendo oferecidos, ao juiz e aos advogados, laudos, fotos, pareceres” e, com base nesses documentos, o juiz absolve ou condena o autor do fato sub judice.  “A prova material fornecida por um médico é considerada suficiente” e jamais qualquer juiz pensou em estar presente quando dos exames ou questionou fazê-los em uma sala de audiências com sua presença. E continua Maria Helena “No entanto, o mesmo não se dá no caso do sofrimento psíquico, apesar dele ser real, poder ser observado e estar cada vez mais comprovado que um dano cerebral físico e concreto” (grifamos). Nessa linha de raciocínio um laudo da criança e do adolescente vítima, conforme o exposto no item IV, deste parecer deve ser aceito pelo juiz e constituir prova material robusta, protegendo a criança e adolescente, da inquirição/interrogatório por assistente social e psicólogo funcionárias do Poder Judiciário, vistos rapidamente antes de entrar na sala do DSD.
Integra o direito personalíssimo, da vítima sua recusa em atender o chamado do Poder Judiciário para depor tanto na posição de vítima como na de testemunha, não só no DSD, mas em qualquer processo judicial que lhe façam falar contra seus familiares e afins. Este entendimento é proclamado por alguns doutrinadores pela interpretação da regra dos artigo 406 do CPC e 206 do CPP, conscientes da exigência legal de integrar os saberes e assim proteger a criança e o adolescente. Sabe a vítima u testemunha que sua fala iria incriminar pai, mãe e irmão e afins em linha reta que, além de lhe provocar grave dano pelas recordações dolorosas, se acrescenta o medo de mandar para a prisão pessoas de sua família, sofrendo mais perdas emocionais. Repetimos, a recusa em depor quando convocada pelo Poder Judiciário para testemunhar não se aplica só ao DSD, mas a todo e qualquer processo que envolva seu pai, mãe, irmão e afins e que de seu depoimento resulte algum dano para si e sua família, mesmo que dispensada de prestar compromisso.
VI -  A LEI ESPECIAL FEDERAL Nº 8.069/90 E O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA.


É no contexto da interpretação dos princípios dessa lei que se deve entender o direito de falar que se contrapõe à obrigação de falar submetendo-se à inquirição prevista pelo Código de Processo Penal.
 Dúvidas dos profissionais que atuam nas áreas do direito civil, penal, administrativo e direito da criança e do adolescente existem e são creditadas ao pouco tempo de vigência 25 anos da CF, e 24 anos da Lei 8.064/90, que trouxeram a doutrina da proteção integral e o superior interesse da criança e do adolescente para as lides processuais. Uma das dificuldades parece estar na compreensão e interpretação, pelos agentes, dos substantivos e verbos constantes nas leis vigentes e seus significados. Em específico apontamos o artigo 202 do CPP, 1941 (diga-se de passagem não recepcionado pela ordem jurídica do Estado Democrático Direito) quando utiliza o substantivo ofendido para se referir ao polo passivo do delito, no então crimes contra os costumes, tendo como instrumento o verbo perguntar para buscar dados sobre as circunstâncias do crime e do seu autor. Hoje com destaque dos direitos humano no mundo, e a supremacia da CF de 1988, o termo ofendido passou a ser tratado como vítima de abuso sexual, e os crimes contra os costumes, tiveram nova denominação - crimes contra vulnerável, criança e adolescente, escritos nos artigo 217, 218 do CP. Para sanar as dúvidas de entendimento do significado dos vocábulos e a imbricação dos mesmos no cenário processual, cabe buscar esclarecimentos consultando dicionário brasileiro (Globo, 1993)).
Então quando a lei fala em Inquirição, s.f. é o ato de averiguação sindicância; Inquirir, v. tr. dir. procura informações sobre; pesquisa; faz perguntas a; inquirir testemunhas; interrogar; tr. dir. e ind. Perguntar; interrogar, tr. ind. informar-se, fazer indagações, são os verbos utilizados pelo sistema penal, artigo 202 do CPP. Enquanto que ouvir, v. tr. Significa entender, perceber (os sons) pelo sentido do ouvido; escutar; receber o depoimento de; ouvir as testemunhas; Oitiva, loc. Adverbial, ouvir sem averiguar nada e Ouvidor, s. m. aquele que ouve; ouvinte, magistrado; psicólogo, psiquiatra. Estas últimas palavras do dicionário e seus significados alcançam as expressas no artigo 227, parágrafos e incisos da CF que falam em Proteger, v. tr. dir. dispensar proteção a; socorrer; apoiar; auxiliar; recomendar; fomentar; favorecer; beneficiar; garantir defender, abrigar; resguardar. Respeitar, v. tr. dir. Tratar com acatamento; venerar; honrar; ter em consideração; atender a; cumprir; observar; Respeito, s. s. Ato ou efeito de respeitar; acatamento; deferência; relação; referência; justiça.
 Após ter presente os significados do verbo inquirir/perguntar e ouvir/escutar não haverá como disfarçar que no DSD, judicial, revestido da aparência verbal de proteção e respeito `a criança e ao adolescente, a verdade real do tal projeto é arrancar da vítima o que quer ouvir e pacificar seus temores de não ser reconhecido como justo pelos autores dos crimes sexuais conta criança e adolescente.  

VII - REEXAME DE POSIÇÕES PELOS JUÍZES, PROMOTORES E ADVOGADOS PERANTE A LEGISLAÇÃO NACIONAL E INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DA INFÂNCIA

Reconhecer a realidade sócio histórica a partir da vivência dos sujeito é fundamental para romper-se a visão autoritária, conservadora do olhar maniqueísta e sanar as controvérsias com aqueles que já compreendem a extensão dos Direitos Humanos, que abarcam os direitos civis, políticos e sociais, utilizando a hermenêutica e estabelecer a harmonia do sistema legal. Para tanto é necessário reexaminar as posições costumeiras das leis que fazem confronto com disposições do direito pós-moderno de reconhecimento dos direitos humanos, proteção e respeito à criança e ao adolescente, um ser integral em desenvolvimento incompleto físico, mental, social e psíquico que os faz diferente dos adultos.
A complementar nosso entendimento diz Rubem Alves (1994).  
“Escutar é complicado e sutil. (...) Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. (...) sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente quer dizer. (...) Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade).
No dizer de Streck (2000, p. 31): “fazer hermenêutica é desconfiar do mundo e de suas certezas, é olhar o direito de soslaio, rompendo-se com a hermenêutica jurídica tradicional-objetivamente prisioneira do (idealista) paradigma epistemológico da filosofia da consciência”. Esse paradigma epistemológico está preso a dicotomia sujeito-objeto que na complexidade da vida moderna e do direito pós-moderno clama pela aplicação da mudança das práticas dos juristas a passar pela produção e circulação de entendimentos diferentes fincados em legislação dirigidas a beneficiários diferentes tais como a criança, o adolescente e o adulto.
Adotando tais mudanças nas práticas será permitir aflorar o entendimento da real abrangência do sistema jurídico a começar por definir quem é ou são os beneficiários da norma sub judice em específico neste momento, escrita no artigo 3º e 6º do Eca:
3º - A criança e o adolescente gozam de todos os direito fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
6º - Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar de criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
              Definidos os beneficiários cabe pesquisar de que forma se examina e se aplica o princípio constitucional do contraditório que beneficia o réu, autor de crime de violência sexual contra criança e adolescente e o princípio da prioridade absoluta e da proteção dos direitos humanos assegurados à pessoa humana em condição peculiar de desenvolvimento, criança e adolescente.
             
VIII O SISTEMA JURÍDICO COMO UMA REDE AXIOLÓGICA E HIERARQUIZADA DE PRINCÍPIOS

Conforme preleciona Juarez Freitas (1998), a missão do sistema jurídico é tornar visível a conexão de sentido de cada norma com o conjunto delas para esclarecer o sistema jurídico como um todo com o enfrentamento de incompatibilidades entre as normas e princípios. No afã de demonstrar a diferença entre garantir a proteção dos direitos da criança e do adolescente e confrontando-os com o direito dos autores de violência sexual contra criança e adolescente é indispensável a reflexão sobre a finalística contemporâneas.
Esta introdução serve para fixar algumas diferenças entre os princípios constitucionais gerais que servem para todos os cidadãos, independentemente da idade cronológica, comportamentos e atitudes e outros também do sistema, mas são específicos a pessoas  em desenvolvimento a quem são necessários voltar um olhar diferenciado e lhes assegurar oportunidades e facilidades, a permitir o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade, procurando soluções para as controvérsias da normas aqui tratadas através da hierarquia princípios constitucionais, tendo presente os fins a que elas se dirigem
 Sobre a questão dos princípios, DALARI (1998) assim se pronuncia:
Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (DALARI, 1998. p.14)

              A polemica se instaura a partir da regra geral de que todos são iguais perante a lei e de que forma não discriminar nem um nem o outro na produção da prova que antecipam as sentenças nos processos judiciais. Nesse sentido nos valemos de Juarez Freitas doutor professor do curso de doutorado em direito da PUC/RS que nos ensina ser “imperativo uma abordagem pelo interprete das funções mesmo do direito nas demandas, perante a ordem axiológica, ou teleológica, composta de normas, de princípios e de valores, devidamente hierarquizados” (1998, p. 50). “Interpretar uma norma é interpretar o sistema inteiro” (...) cada preceito deve ser visto como uma parte viva do todo, eis que é do exame em conjunto que pode resultar melhor resolvido qualquer caso em apreço, desde que se busque descobrir qual é, na respectiva função, o interesse mais fundamental” (p. 53). Segundo Martin Kriele, (in Juarez, p.53) “os elementos mais importantes na obtenção da resolução (dos conflitos) (...) são a avaliação das consequências previsíveis, assim como a sua imparcial ponderação sob o prisma do interesse mais fundamental”. Grifamos.
 Nessa orientação sabe-se que determinável são os riscos danosos advindos de submeter à criança e o adolescente a uma inquirição/interrogatório, menosprezando os seus interesses mais fundamentais, quais sejam a proteção dos seus direitos de personalidade, em prioridade absoluta. Nos afirmam as incompatibilidades jurídicas instauradas, entre normas, valores princípios, pertencentes, validamente, ao mesmo sistema jurídico, para preservar sua unidade interna e coerência do sistema a opção do interprete deve passar pelo critério da primazia axiológica, o predomínio do princípio superior a produzir o melhor e ampliado benefício aos demandantes judiciais nos crimes de abuso sexual da criança  e adolescente, in casu, estes serão os maiores beneficiados, afastando-os definitivamente da inquirição/interrogatório processual.
VIII – EXCLUO AS QUESTÕES QUE ENVOLVEM AS ATRIBUIÇÕES PROFISSIONAIS LEGAIS DOS ASSISTENTES SOCIAIS E PSICÓLOGOS
A esse respeito muitas opiniões já foram objeto de pareceres publicados e muito bem analisados, à semelhança do Conselho Federal de serviço social através da Resolução nº 554/2009 onde estabeleceu o não reconhecimento como atribuição e competência de assistentes sociais realizarem inquirições de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual no procedimento DSD, judicial. Por outro lado o Conselho Federal de psicologia expediu a Resolução nº 10/2010, estabelecendo regulamentação e diversos princípios a serem seguidos na escuta psicológica de crianças e adolescentes envolvidas em situação de violência sexual e indicando princípios éticos que norteiam o exercício profissional técnico e adequado. Só noticiamos que no DSD, judicial onde a prova na modalidade de inquirição/interrogatório acontece por delegação do juiz a outros profissionais tramitaram e tramitam correções parciais, mandados de segurança, alguns acolhidos outros denegados e recursos criminais diversos, com algumas sentenças anuladas, informação colhida no Processo 010-08/000450-1 do Conselho da Magistratura.
IX – DA CONTINUIDADE DO DSD NO RS

Inúmeras são as justificadas resistências e objeções ao procedimento judicial, Depoimento Sem Dano no RS, desde sua origem. Os próprios juízes corregedores e juízes titulares da 6ª e 9ª varas criminais especializadas, desde 2004, para processar e julgar os autores de maus tratos e abuso sexual, contra criança e adolescente, a juíza titular do 1º JIJ, e a juíza Osnilda fundadora do serviço CRAI, detalhadamente, registraram suas posições contrárias ao DSD, inclusive à continuidade do mesmo, em parecer exarado no processo 0010-08/000450-1 ao Conselho da Magistratura do TJRS, em 2013. As resistências mais atuais perpassam pela comprovada e notória violação dos direitos humanos e garantias processuais da criança e adolescente vítima, disfarçados de proteção, constantes de avaliação negativa desse procedimento, publicados na rede mundial por doutrinadores, profissionais do direito, onde se inclui a signatária, acadêmicos do direito, do serviço social, da área da saúde física e mental,  abordando princípios éticos, profissionais e humanos que devem nortear a oitiva do relato da vítima de violência sexual a partir do fato sub judice, explicando a ela o seu direito de falar sobre isso, espontaneamente sem a obrigação de responder qualquer pergunta. Dessa forma a criança e o adolescente não são induzidos a respostas desejadas pelo inquiridor.

Perceptível é o jogo de ingenuidade, responsabilidade e culpas dos que concretizam o DSD, judicial a justificar que a inquirição/perguntas formuladas pelo juiz de direito, pelo promotor, pelo advogado do réu,  vindas da sala do outro lado do vidro, ativando a rememoração da violência sofrida pelo sujeito, quando repetidas pela assistente social ou psicóloga, mais um adulto, que não conhece, não tem confiança mesmo assim, divulgam que as questões perguntadas, são benéficas e se revestem, milagrosamente,  do condão da bioética da não-maleficência, ou seja não causam mal no entender da promotora de justiça Veleda Dobke, entre outros, quando defende a inquirição das vítimas em suas aulas e palestras públicas.

X – AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA CRIMINAL DA VARAS DO JIJ
Embora não seja objeto primeiro deste parecer, mas por constar no Protocolo CIJ nº 00066030/11,do TJSP uma menção de uma possível ampliação da competência ampliada, dos juizados da infância e da juventude para instruir e julgar todos os feitos criminais da mesma forma que utilizada pelo TJRS no 1º e do 2º, JIJ da Comarca de Porto Alegre, que tenham crianças e adolescente como vítimas, merece ser aqui ser noticiada a experiência nesse sentido, já vivida pelo Conselho da Magistratura do RS, apoiada na Lei Estadual de nº 12. 913 de 13 de março de 2008, contra a qual se insurgiu a Defensoria Pública do RS, através da ADIN nº 4774 com fundamento na inconstitucionalidade ao contrariar as disposições do artigo 148, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que enumera as competências do JIJ, onde não se inclui processar e julgar criminosos adultos, sendo reconhecida a inconstitucionalidade, dizendo a Ementa...

CONCLUSÃO

O Procedimento depoimento sem dano, não se inspira em valores, mas na suposta realidade dos fatos e na suposta eficácia do papel dissimulador sob capa da existência real da dominação. O Judiciário prepara as condições, seduz, coopta desavisados, retira o que lhe interessa e encerra o assunto.
A cogitação em trocar o nome DSD para depoimento especial, DE, no intuito de aparentemente valorizar a palavra da vítima, justificando simplistamente, que a troca do nome basta para disfarçar a violação dos direitos que ali se pratica e os malefícios causados à criança e ao adolescente, vítimas de abuso sexual, não passa de mais um engodo dirigido à sociedade civil, afastada das lides processuais e aos profissionais de diversos saberes que creem na imparcialidade das decisões proferidas dentro dos processos administrativos e judiciais.


XII.              RESPOSTAS de 01 a 07






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