DEPOIMENTO SEM DANO: PROTEÇÃO, RESPEITO OU VIOLAÇÃO AOS
DIREITOS HUMANOS DO SUJEITO CRIANÇA E ADOLESCENTE?
MARIA
DIANAIR ACOSTA GONÇALVES - CURRÍCULO
I – A CONSULTA
a)
Consulta-me
a Associação dos Assistentes sociais e psicólogos do Tribunal de Justiça de São
Paulo sobre a experiência de advogada, da criança e do adolescente, vítimas de
abuso sexual em audiência no procedimento judicial – DEPOIMENTO SEM DANO – na
comarca de Porto Alegre, RS.
b)
Formula
questões para arredar dúvidas a respeito da real proteção aos direitos humanos
da criança e adolescente, quanto a mediação na inquirição/interrogatório em tal
procedimento: 1) qual o tempo de duração da audiência 2) As perguntas feitas
pelo Juiz e partes foram repassadas integralmente à criança? 3) A criança
estava em condições de responder as perguntas? 4) O profissional da saúde
(psicólogo ou assistente social) mostrou-se incomodado em algum momento? 5) O
profissional da saúde questionou, em algum momento, as perguntas realizadas
pelo Juiz ou pelas partes? 6) O juiz e partes fizeram perguntas repetitivas
sobre o acontecimento traumático? 7) O juiz obrigou o profissional da saúde a
realizar todas as perguntas, ou houve discussão acerca da pertinência das
mesmas?
PARECER
II.
Desde
logo, tenha-se presente que, para relatar a experiência da advogada, parecerista,
signatária, da criança e adolescente, vítima de violência sexual, quando da
inquirição/interrogatório no procedimento DSD, judicial, em Porto Alegre e responder com clareza, ética profissional e
verdade real as questões dos consulentes, e eventuais leitores do presente documento
é necessário fazer considerações teóricas sobre a legislação nacional,
internacional e a aplicação dos princípios, normas e valores da Constituição
Federal imbricados com a Lei nº 8.069/90, tecendo comentários, dos antecedentes
históricos, interesses pessoais e judiciais que alicerçaram o projeto
DEPOIMENTO SEM DANO, judicial, no Rio Grande do Sul.
III.
A
DISCRICIONARIEDADE DOS JUÍZES NA ACEITAÇÃO E VALORAÇÃO DAS PROVAS NO SISTEMA
PENAL.
Historicamente,
os juízes criminais do Rio Grande do Sul, não consideram prova processual os
laudos da saúde psíquica, produzidos pelos profissionais psicólogos ou
psiquiatras, quando os avaliados forem vítimas de violência sexual. Embora tais
documentos contenham a palavra da vítima colhida na forma de escuta/oitiva,
legalmente prevista no microssistema de direito positivo disciplinado pela Lei
Especial, Federal de nº 8.069/90 e na Convenção da ONU de 1989. O posicionamento
de rejeição desses laudos advém da história da humanidade que via o “menor”
como incapaz de todo gênero e tutelado. A história da incapacidade atribuída ao
“menor” influenciou o sistema criminal que optou em beneficiar o criminoso com
o princípio da inocência e garantia do contraditório, menosprezando a criança e
o adolescente, pessoa em peculiar condição de desenvolvimento, sujeitos de
direitos constitucionais, desde 1988, tendo-os, ainda hoje século XXI como -
objeto da prova - na qual se apoiam os juízes para absolver ou condenar os
autores de abuso sexual contra a criança e o adolescente. Até se compreende o
sentimento de culpa que pode assolar o julgador em condenar um provável, “inocente”.
Porém, crer que se a inquirição/interrogatório da vítima ou testemunha só o
livrará de tal preocupação se for realizada sob suas vistas e nas dependências
do foro da comarca, é entre outras posições desconhecer a ordem jurídica do
Estado democrático de Direito que instituiu a interdisciplinaridade entre os
diversos saberes na efetiva implantação da doutrina da proteção integral, em
prioridade absoluta à criança e ao adolescente em nosso País.
IV –
DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE
Buscando
minorar o sofrimento da criança e adolescente e consciente da Política de
atendimento apontada no artigo 86 da Lei nº 8.069/90, o ECA: “A política de
atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um
conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos
Estado, do Distrito Federal e dos Municípios”. A juíza Osnilda Pisa, na época corregedora da
infância do TJRS, convidou instituições
dos governos Federal, Estadual e Municipal, além de entes da sociedade
civil, Universidades, Ministério Público, OAB/RS, Instituto dos Advogados do
RS, Procuradoria do Estado do RS, AJURIS, Instituto Amigos de Lucas, Secretaria
da Justiça e Segurança, Polícia Civil, Instituto Médico legal, Sociedade de
Pediatria, Conselho Tutelar, Conselho Estadual e Municipal de Direito da
Criança e do Adolescente, Secretaria da Saúde Municipal e Estadual, Conselho de
psicologia, Conselho de assistentes sociais, Fundação RBS de rádio e
jornalismo, entre outras, trazendo a lume o Centro de Referência de Atendimento
à infância – CRAI. Esse serviço de acolhida, atendimento e encaminhamento abrigava,
num mesmo local, um posto policial para registro da ocorrência, o serviço de
saúde, contando com enfermeira, pediatra, médico legista, assistente social, psicóloga
e advogado. Os profissionais do CRAI, receberam treinamento e participavam de formação
continuada com o objetivo de acolher, ouvir, atender e tratar não só as
vítimas, mas suas famílias, inclusive, o abusador. Para tanto entre as metodologias
utilizadas foi montada uma sala especial com ambiente acolhedor e inspirador de
confiança à criança e ao adolescente, gravação eletrônica da fala espontânea,
material de desenho, jogos, quebra cabeça, teatro, dança, com a presença de
psicóloga, ou psiquiatra.
IV.I A CRIAÇÃO DO DEPOIMENTO SEM DANO EM
PORTO ALEGRE
Também
o juiz titular da 2ª vara da infância e juventude da comarca de Porto Alegre, Daltoé
Cezar, não aceitava como prova processual os laudos produzidos no CRAI e criou o
procedimento de “escuta judicial para
realizar a oitiva da vítima ou testemunha” (grifamos) (2012, p. 385), denominado DSD e aproveitar a prova
colhida para ao mesmo tempo processar e julgar os denunciados pela prática de
crimes de maus tratos e abuso sexual contra criança. Verificou esta advogada
que a escuta, proposta, foi descaracterizada, da forma acatada pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente, permanecendo no DSD a tradicional inquirição/interrogatório,
disfarçada de proteção e respeito à criança e ao adolescente (Daltoé, 2012, p.
388).
Enfim
o interesse pessoal desse juiz vinha ao encontro das práticas perpetuadas pelo
Poder Judiciário, que, desde o Código Criminal do Império de 1853, continuado
no Código de Menores de 1979, ambos revogados, exercia o papel de tutor da
criança e adolescente pobre tida como incapaz. Obteve Daltoé, seu intento,
quando o Conselho da Magistratura retirou a especialização outorgada às 6ª e 9ª
varas criminais, obtida por solicitação da OAB em 2004, transferindo-a ao JIJ
da comarca de Porto Alegre o processo e julgamento dos criminosos adultos que
praticavam os crimes de abuso sexual contra criança e adolescente. Valeu-se então
do projeto com o nome ingênuo e sedutor - Depoimento sem Dano - para buscar
apoio e aceitação da sociedade desavisada, e dos profissionais do direito e
afins alienados da farsa sedutora, continuou o uso da criança e adolescente
como produtor da prova criminal, nos
termos do Código de Processo Penal, artigos 201 e 202, onde o direito de falar, efetivação da oitiva
espontânea, constante na justificativa do projeto firmou-se na obrigação de responder perguntas
revitimizadoras.
Nessas
audiências a vítima não conta com a proteção e defesa técnico-jurídica de
advogado próprio, embora a CF no seu artigo 133 diga "o advogado é indispensável a administração da justiça” e sua
presença e participação seria uma forma de preservar a garantia do direito de
sujeito ser ouvido conforme a Lei nº 8.069/90, um microssistema de direito
público (2002, p.18) que em seu artigo 15, diz:
A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à
dignidade como pessoa humana em processo de desenvolvimento e como sujeito de
direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis. E complementa o inciso II, do artigo 16, que esse
sujeito tem o “direito de opinião e
expressão”. Também o artigo 12 da Convenção Internacional da Criança de
1989, a qual o Brasil ratificou, repete o mesmo direito, constante na nossa
legislação ao comprometer os Estados Membros assegurar a fala espontânea e condição
de sujeitos de direito à Criança e ao Adolescente,
Proporcionando
a oportunidade de ser ouvida em todo
processo judicial ou administrativo que afete a mesma, quer diretamente quer por intermédio de um representante ou órgãos apropriado, em conformidade
com as regras processuais e legislação nacional. (CONVENÇÃO da ONU, 1989).
Grifamos.
Meridiano a harmonia existente entre
a legislação brasileira e a legislação internacional, eis que, ambas reconhecem
o direito da criança de falar
espontaneamente, complementando ainda o artigo 12, da Convenção que a
vítima poderá ser ouvida por órgãos
apropriados. No Brasil, tais órgãos que executam essa atribuição de
registrar em laudo técnico a oitiva/escuta da vítima são os profissionais do
serviço da saúde mental do Poder judiciário, serviços especializados, tipo
CRAI, e outros constituídos de acordo com a nossa legislação.
V.O DIREITO PERSONALÍSSIMO INSTRUMENTO
DA AUTOPROTEÇÃO
Do direito personalíssimo dizem os
civilistas e entre eles citamos Orlando Gomes (1965, p. 131) “entre os direitos de personalidade compreendem-se
os direitos personalíssimos e os direitos sobre o próprio corpo. São direitos
essenciais aos desenvolvimento da pessoa humana que a doutrina moderna
preconiza a disciplina no corpo do CC como direitos absolutos, desprovidos, porém
da faculdade de disposição, Destinam-se a resguardar a eminente dignidade da
pessoa humana, preservando-a dos atentados que pode sofrer por parte dos outros
indivíduos”.
A vítima de violência sexual, sofre
prejuízo em seu próprio corpo, mas sobretudo na alma, ferindo de morte o seu direito
personalíssimo. A inquirição/interrogatório ao qual é submetida no DSD,
judicial, representa para ela uma vivência de repetida violência, agora pelas
autoridades que constitucionalmente lhe devem a proteção, escrita no artigo 227
da CF e 4º da lei nº8.069/90.
Entretanto, sua participação no
processo de acordo com a Lei nacional e internacional se efetivará quando
ouvida, espontaneamente, em encontros com os técnicos profissionais da saúde
mental. Sabe-se que esta oitiva/escuta gravada, embasará a prova processual na
modalidade de documento, na forma de um laudo psicológico, com a credibilidade dos
laudos que descrevem as lesões físicas. Nesse sentido se pronuncia a psicóloga
e psiquiatra Maria Helena Ferreira (2012, p. 189), “é natural e óbvio que não
se peça num tribunal a exibição física nem se toque na ferida para ver se
realmente ela ocorreu. Elas são examinadas fora do tribunal com técnicos e
técnicas especializadas, em ambiente adequado ao recolhimento do material, sendo
oferecidos, ao juiz e aos advogados, laudos, fotos, pareceres” e, com base
nesses documentos, o juiz absolve ou condena o autor do fato sub judice. “A prova material fornecida por um médico é
considerada suficiente” e jamais qualquer juiz pensou em estar presente quando
dos exames ou questionou fazê-los em uma sala de audiências com sua presença. E
continua Maria Helena “No entanto, o mesmo não se dá no caso do sofrimento psíquico, apesar dele ser real,
poder ser observado e estar cada vez mais comprovado que um dano cerebral
físico e concreto” (grifamos). Nessa linha de raciocínio um laudo da
criança e do adolescente vítima, conforme o exposto no item IV, deste parecer
deve ser aceito pelo juiz e constituir prova material robusta, protegendo a
criança e adolescente, da inquirição/interrogatório por assistente social e
psicólogo funcionárias do Poder Judiciário, vistos rapidamente antes de entrar
na sala do DSD.
Integra o direito personalíssimo, da
vítima sua recusa em atender o chamado do Poder Judiciário para depor tanto na
posição de vítima como na de testemunha, não só no DSD, mas em qualquer
processo judicial que lhe façam falar contra seus familiares e afins. Este entendimento
é proclamado por alguns doutrinadores pela interpretação da regra dos artigo
406 do CPC e 206 do CPP, conscientes da exigência legal de integrar os saberes
e assim proteger a criança e o adolescente. Sabe a vítima u testemunha que sua
fala iria incriminar pai, mãe e irmão e afins em linha reta que, além de lhe
provocar grave dano pelas recordações dolorosas, se acrescenta o medo de mandar
para a prisão pessoas de sua família, sofrendo mais perdas emocionais.
Repetimos, a recusa em depor quando convocada pelo Poder Judiciário para
testemunhar não se aplica só ao DSD, mas a todo e qualquer processo que envolva
seu pai, mãe, irmão e afins e que de seu depoimento resulte algum dano para si
e sua família, mesmo que dispensada de prestar compromisso.
VI - A LEI ESPECIAL FEDERAL Nº 8.069/90 E O MELHOR
INTERESSE DA CRIANÇA.
É no
contexto da interpretação dos princípios dessa lei que se deve entender o direito de falar que se contrapõe à
obrigação de falar submetendo-se à inquirição
prevista pelo Código de Processo Penal.
Dúvidas dos
profissionais que atuam nas áreas do direito civil, penal, administrativo e
direito da criança e do adolescente existem e são creditadas ao pouco tempo de
vigência 25 anos da CF, e 24 anos da Lei 8.064/90, que trouxeram a doutrina da
proteção integral e o superior interesse da criança e do adolescente para as
lides processuais. Uma das dificuldades parece estar na compreensão e
interpretação, pelos agentes, dos substantivos e verbos constantes nas leis
vigentes e seus significados. Em específico apontamos o artigo 202 do CPP, 1941
(diga-se de passagem não recepcionado pela ordem jurídica do Estado Democrático
Direito) quando utiliza o substantivo ofendido
para se referir ao polo passivo do delito, no então crimes contra os costumes,
tendo como instrumento o verbo perguntar para
buscar dados sobre as circunstâncias do crime e do seu autor. Hoje com destaque
dos direitos humano no mundo, e a supremacia da CF de 1988, o termo ofendido passou a ser tratado como vítima de abuso sexual, e os crimes
contra os costumes, tiveram nova denominação - crimes contra vulnerável,
criança e adolescente, escritos nos artigo 217, 218 do CP. Para sanar as dúvidas
de entendimento do significado dos vocábulos e a imbricação dos mesmos no
cenário processual, cabe buscar esclarecimentos consultando dicionário
brasileiro (Globo, 1993)).
Então quando a lei fala em Inquirição, s.f. é o ato de averiguação sindicância; Inquirir, v.
tr. dir. procura informações sobre; pesquisa; faz perguntas a; inquirir
testemunhas; interrogar; tr. dir. e
ind. Perguntar; interrogar, tr. ind. informar-se, fazer indagações, são os
verbos utilizados pelo sistema penal, artigo 202 do CPP. Enquanto que ouvir, v. tr. Significa entender, perceber
(os sons) pelo sentido do ouvido; escutar; receber o depoimento de; ouvir as
testemunhas; Oitiva, loc. Adverbial,
ouvir sem averiguar nada e Ouvidor,
s. m. aquele que ouve; ouvinte, magistrado; psicólogo, psiquiatra. Estas últimas
palavras do dicionário e seus significados alcançam as expressas no artigo 227,
parágrafos e incisos da CF que falam em Proteger, v. tr. dir. dispensar
proteção a; socorrer; apoiar; auxiliar; recomendar; fomentar; favorecer;
beneficiar; garantir defender, abrigar; resguardar. Respeitar, v. tr. dir.
Tratar com acatamento; venerar; honrar; ter em consideração; atender a;
cumprir; observar; Respeito, s. s. Ato ou efeito de respeitar; acatamento;
deferência; relação; referência; justiça.
Após ter presente os
significados do verbo inquirir/perguntar e ouvir/escutar não haverá como
disfarçar que no DSD, judicial, revestido da aparência verbal de proteção e
respeito `a criança e ao adolescente, a verdade real do tal projeto é arrancar da
vítima o que quer ouvir e pacificar seus temores de não ser reconhecido como
justo pelos autores dos crimes sexuais conta criança e adolescente.
VII - REEXAME DE POSIÇÕES PELOS JUÍZES, PROMOTORES E
ADVOGADOS PERANTE A LEGISLAÇÃO NACIONAL E INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DA INFÂNCIA
Reconhecer a realidade sócio histórica a partir da vivência
dos sujeito é fundamental para romper-se a visão autoritária, conservadora do
olhar maniqueísta e sanar as controvérsias com aqueles que já compreendem a
extensão dos Direitos Humanos, que abarcam os direitos civis, políticos e sociais,
utilizando a hermenêutica e estabelecer a harmonia do sistema legal. Para tanto
é necessário reexaminar as posições costumeiras das leis que fazem confronto
com disposições do direito pós-moderno de reconhecimento dos direitos humanos,
proteção e respeito à criança e ao adolescente, um ser integral em desenvolvimento
incompleto físico, mental, social e psíquico que os faz diferente dos adultos.
A complementar nosso entendimento diz Rubem Alves (1994).
“Escutar é complicado e
sutil. (...) Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso
também que haja silêncio dentro da alma. (...) sem misturar o que ele diz com
aquilo que a gente quer dizer. (...) Nossa incapacidade de ouvir é a
manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade).
No dizer de Streck
(2000, p. 31): “fazer hermenêutica é
desconfiar do mundo e de suas certezas, é olhar o direito de soslaio,
rompendo-se com a hermenêutica jurídica tradicional-objetivamente prisioneira
do (idealista) paradigma epistemológico da filosofia da consciência”. Esse paradigma epistemológico está
preso a dicotomia sujeito-objeto que na complexidade da vida moderna e do
direito pós-moderno clama pela aplicação da mudança das práticas dos juristas a
passar pela produção e circulação de entendimentos diferentes fincados em
legislação dirigidas a beneficiários diferentes tais como a criança, o
adolescente e o adulto.
Adotando tais mudanças nas práticas será permitir aflorar o
entendimento da real abrangência do sistema jurídico a começar por definir quem
é ou são os beneficiários da norma sub judice em específico neste momento,
escrita no artigo 3º e 6º do Eca:
3º - A criança e o adolescente gozam
de todos os direito fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da
proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por
outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade
e de dignidade.
6º - Na interpretação desta Lei
levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem
comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar de
criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
Definidos
os beneficiários cabe pesquisar de que forma se examina e se aplica o princípio
constitucional do contraditório que beneficia o réu, autor de crime de
violência sexual contra criança e adolescente e o princípio da prioridade absoluta
e da proteção dos direitos humanos assegurados à pessoa humana em condição
peculiar de desenvolvimento, criança e adolescente.
VIII O SISTEMA JURÍDICO COMO UMA REDE AXIOLÓGICA E
HIERARQUIZADA DE PRINCÍPIOS
Conforme preleciona Juarez Freitas (1998), a missão do
sistema jurídico é tornar visível a conexão de sentido de cada norma com o
conjunto delas para esclarecer o sistema jurídico como um todo com o
enfrentamento de incompatibilidades entre as normas e princípios. No afã de
demonstrar a diferença entre garantir a proteção dos direitos da criança e do
adolescente e confrontando-os com o direito dos autores de violência sexual
contra criança e adolescente é indispensável a reflexão sobre a finalística
contemporâneas.
Esta introdução serve para fixar algumas diferenças entre os
princípios constitucionais gerais que servem para todos os cidadãos,
independentemente da idade cronológica, comportamentos e atitudes e outros
também do sistema, mas são específicos a pessoas em desenvolvimento a quem são necessários
voltar um olhar diferenciado e lhes assegurar oportunidades e facilidades, a
permitir o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em
condições de liberdade e de dignidade, procurando soluções para as
controvérsias da normas aqui tratadas através da hierarquia princípios
constitucionais, tendo presente os fins a que elas se dirigem
Sobre a questão dos
princípios, DALARI (1998) assim se pronuncia:
Princípio
é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e
servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por
definir a lógica racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica
e lhe dá sentido harmônico. (DALARI, 1998. p.14)
A polemica
se instaura a partir da regra geral de que todos são iguais perante a lei e de
que forma não discriminar nem um nem o outro na produção da prova que antecipam
as sentenças nos processos judiciais. Nesse sentido nos valemos de Juarez
Freitas doutor professor do curso de doutorado em direito da PUC/RS que nos
ensina ser “imperativo uma abordagem pelo interprete das funções mesmo do
direito nas demandas, perante a ordem axiológica, ou teleológica, composta de
normas, de princípios e de valores, devidamente hierarquizados” (1998, p. 50). “Interpretar
uma norma é interpretar o sistema inteiro” (...) cada preceito deve ser visto
como uma parte viva do todo, eis que é do exame em conjunto que pode resultar
melhor resolvido qualquer caso em apreço, desde que se busque descobrir qual é,
na respectiva função, o interesse mais fundamental” (p. 53). Segundo Martin
Kriele, (in Juarez, p.53) “os elementos mais importantes na obtenção da
resolução (dos conflitos) (...) são a
avaliação das consequências previsíveis, assim como a sua imparcial ponderação
sob o prisma do interesse mais fundamental”. Grifamos.
Nessa orientação
sabe-se que determinável são os riscos danosos advindos de submeter à criança e
o adolescente a uma inquirição/interrogatório, menosprezando os seus interesses
mais fundamentais, quais sejam a proteção dos seus direitos de personalidade,
em prioridade absoluta. Nos afirmam as incompatibilidades jurídicas
instauradas, entre normas, valores princípios, pertencentes, validamente, ao
mesmo sistema jurídico, para preservar sua unidade interna e coerência do
sistema a opção do interprete deve passar pelo critério da primazia axiológica,
o predomínio do princípio superior a produzir o melhor e ampliado benefício aos
demandantes judiciais nos crimes de abuso sexual da criança e adolescente, in casu, estes serão os maiores
beneficiados, afastando-os definitivamente da inquirição/interrogatório
processual.
VIII – EXCLUO AS QUESTÕES QUE ENVOLVEM AS ATRIBUIÇÕES
PROFISSIONAIS LEGAIS DOS ASSISTENTES SOCIAIS E PSICÓLOGOS
A esse respeito muitas opiniões já foram objeto de pareceres
publicados e muito bem analisados, à semelhança do Conselho Federal de serviço
social através da Resolução nº 554/2009 onde estabeleceu o não reconhecimento
como atribuição e competência de assistentes sociais realizarem inquirições de
crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual no procedimento DSD, judicial.
Por outro lado o Conselho Federal de psicologia expediu a Resolução nº 10/2010,
estabelecendo regulamentação e diversos princípios a serem seguidos na escuta
psicológica de crianças e adolescentes envolvidas em situação de violência
sexual e indicando princípios éticos que norteiam o exercício profissional técnico
e adequado. Só noticiamos que no DSD, judicial onde a prova na modalidade de
inquirição/interrogatório acontece por delegação do juiz a outros profissionais
tramitaram e tramitam correções parciais, mandados de segurança, alguns
acolhidos outros denegados e recursos criminais diversos, com algumas sentenças
anuladas, informação colhida no Processo 010-08/000450-1 do Conselho da
Magistratura.
IX – DA
CONTINUIDADE DO DSD NO RS
Inúmeras
são as justificadas resistências e objeções ao procedimento judicial,
Depoimento Sem Dano no RS, desde sua origem. Os próprios juízes corregedores e
juízes titulares da 6ª e 9ª varas criminais especializadas, desde 2004, para
processar e julgar os autores de maus tratos e abuso sexual, contra criança e
adolescente, a juíza titular do 1º JIJ, e a juíza Osnilda fundadora do serviço
CRAI, detalhadamente, registraram suas posições contrárias ao DSD, inclusive à
continuidade do mesmo, em parecer exarado no processo 0010-08/000450-1 ao
Conselho da Magistratura do TJRS, em 2013. As resistências mais atuais
perpassam pela comprovada e notória violação dos direitos humanos e garantias
processuais da criança e adolescente vítima, disfarçados de proteção,
constantes de avaliação negativa desse procedimento, publicados na rede mundial
por doutrinadores, profissionais do direito, onde se inclui a signatária,
acadêmicos do direito, do serviço social, da área da saúde física e
mental, abordando princípios éticos,
profissionais e humanos que devem nortear a oitiva do relato da vítima de
violência sexual a partir do fato sub judice, explicando a ela o seu direito de
falar sobre isso, espontaneamente sem a obrigação de responder qualquer
pergunta. Dessa forma a criança e o adolescente não são induzidos a respostas
desejadas pelo inquiridor.
Perceptível
é o jogo de ingenuidade, responsabilidade e culpas dos que concretizam o DSD,
judicial a justificar que a inquirição/perguntas formuladas pelo juiz de
direito, pelo promotor, pelo advogado do réu,
vindas da sala do outro lado do vidro, ativando a rememoração da
violência sofrida pelo sujeito, quando repetidas pela assistente social ou
psicóloga, mais um adulto, que não conhece, não tem confiança mesmo assim,
divulgam que as questões perguntadas, são benéficas e se revestem,
milagrosamente, do condão da bioética da
não-maleficência, ou seja não causam mal no entender da promotora de justiça
Veleda Dobke, entre outros, quando defende a inquirição das vítimas em suas
aulas e palestras públicas.
X –
AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA CRIMINAL DA VARAS DO JIJ
Embora
não seja objeto primeiro deste parecer, mas por constar no Protocolo CIJ nº 00066030/11,do
TJSP uma menção de uma possível ampliação da competência ampliada, dos juizados
da infância e da juventude para instruir e julgar todos os feitos criminais da
mesma forma que utilizada pelo TJRS no 1º e do 2º, JIJ da Comarca de Porto
Alegre, que tenham crianças e adolescente como vítimas, merece ser aqui ser
noticiada a experiência nesse sentido, já vivida pelo Conselho da Magistratura do
RS, apoiada na Lei Estadual de nº 12. 913 de 13 de março de 2008, contra a qual
se insurgiu a Defensoria Pública do RS, através da ADIN nº 4774 com fundamento
na inconstitucionalidade ao contrariar as disposições do artigo 148, do
Estatuto da Criança e do Adolescente, que enumera as competências do JIJ, onde
não se inclui processar e julgar criminosos adultos, sendo reconhecida a
inconstitucionalidade, dizendo a Ementa...
CONCLUSÃO
O Procedimento depoimento sem dano, não
se inspira em valores, mas na suposta realidade dos fatos e na suposta eficácia
do papel dissimulador sob capa da existência real da dominação. O Judiciário
prepara as condições, seduz, coopta desavisados, retira o que lhe interessa e
encerra o assunto.
A cogitação em trocar o nome DSD para
depoimento especial, DE, no intuito de aparentemente valorizar a palavra da
vítima, justificando simplistamente, que a troca do nome basta para disfarçar a
violação dos direitos que ali se pratica e os malefícios causados à criança e
ao adolescente, vítimas de abuso sexual, não passa de mais um engodo dirigido à
sociedade civil, afastada das lides processuais e aos profissionais de diversos
saberes que creem na imparcialidade das decisões proferidas dentro dos
processos administrativos e judiciais.
XII.
RESPOSTAS
de 01 a 07
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